quarta-feira, 8 de junho de 2011

O telemóvel e o cancro

Na semana passada correu a notícia de que, segundo a OMS, a utilização dos telemóveis poderia causar o cancro. O assunto das radiações é recorrente na opinião pública. Faz parte dos “demónios” que agitam temores na sociedade de tempos a tempos, para o qual há sempre uma grande propensão para se distorcer ou ampliar as conclusões dos estudos.
 
A verdade é que a utilização intensa de telemóveis tem mais de 20 anos e não se assistiu a nenhuma pandemia. Pelo contrário, segundo o New York Times, os níveis de cancro do cérebro têm vindo a descer nas últimas duas décadas. Há muito que se fazem estudos sobre campos electromagnéticos e nunca foram encontradas evidências de que radiação não ionizante de baixa potência, como a dos telemóveis, quebrasse ligações químicas ou alterasse o DNA.

De qualquer modo a OMS é uma entidade credível e aliás, ainda no ano passado, publicou um amplo estudo de 14 milhões de dólares, realizado em 13 países que mostrava não existirem evidências de que os telemóveis tivessem efeitos carcinogénicos. O que mudou desde então? Um painel de cientistas da Agência Internacional para a Investigação do Cancro (IARC), órgão consultivo da OMS, analisou alguns dados novos e encontraram uma associação (não uma relação causal) com um tipo específico de cancro, o Glioma. O que significa esta associação? Há uma classificação utilizada que graduar os efeitos:

Grupo 1 – Cancerígeno para humanos

Grupo 2A – Provavelmente Cancerígeno para humanos

Grupo 2B – Possivelmente Cancerígeno para humanos

Grupo 3 – Não classificável quanto à carcinogenicidade para humanos

Grupo 4 – Provavelmente não Cancerígeno para humanos

As radiações foram classificadas no nível 2B, onde constam por exemplo coisas como o café ou os pickles. Foi uma aplicação do princípio da prudência, porque este tipo de cancro é bastante agressivo, mas parecem no entanto existir alguns problemas metodológicos no estudo, pois no geral a conclusão aponta para que as radiações dos telemóveis diminuem a incidência global de cancro no cérebro, o que obviamente não parece ser uma conclusão credível.
Diria portanto que há aqui alguma precipitação e uma distorção na mensagem, por parte de alguns Media. Falar-se com certeza de coisas de que não se têm certezas, sem que haja um potencial negativo iminente, é perigoso. Por exemplo em 1998 um Gastroenterologista Britânico afirmou haver uma relação entre a vacina Tríplice (Sarampo, Rubéola e Papeira, que é administrada aos bebes até aos 12 meses) e o autismo. Nos meses seguintes, tal foi amplamente divulgado na imprensa e o médico elevado a herói por ter encontrado uma relação desconhecida numa doença assustadora. Os níveis de adesão à vacina caíram para 70%. Em 2006 morreu a primeira criança em décadas de Sarampo, no Reino Unido. Em 2011, 334 casos aconteceram e em França 7000. O médico foi desacreditado e punido. O autismo ficou igual, mas o efeito do passa palavra ainda se manifestará por muito tempo.

Diria em conclusão, que o histórico de utilização do telemóvel nos pode tranquilizar e certamente não há razões para pensar em nada de grave, pois em 5000 milhões de telemóveis a nível mundial, os efeitos seriam claramente visíveis. Se se vierem a provar definitivamente relações causais serão raras e de pequeno impacto. Certamente que o telemóvel salva, muito mais do que mata, se é que mata alguma coisa. Ainda assim é naturalmente um assunto a continuar a estudar. Da da minha parte não estou nada intranquilo… e não é por trabalhar num operador de telecomunicações! Não conheço nenhuma prova física de que este tipo de radiação destrua moléculas e os estudos estatísticos parecem ainda ter muito ruído nos dados. Estou certo que numa análise de metadados, no agregado dos vários estudos se tirarão em breve conclusões sólidas e que certamente corroborarão a falta de evidência física de que fotões deste tipo destroem ligações na química das células cerebrais.

É sempre bom procuramos conhecer melhor a realidade. O conhecimento só ajuda a afastar os anátemas gerados pela ignorância.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

A política e a realidade...

A nossa preferência ou rejeição por um dado partido é influenciada por muitos factores. Desde aspectos ideológicos, alinhados ou em oposição com o modelo que nos parece melhor para a sociedade, até à identificação com um líder ou líderes, passando por aspectos culturais e educacionais que nos moldaram a preferência ou focando as nossas razões em análises mais pragmáticas e circunstanciais relacionadas com o desempenho real das propostas de um dado partido. Tudo isso nos leva a uma escolha, que às vezes é apenas uma aproximação ao que gostaríamos.



A política é uma disciplina de extrema importância, por muito que a prática dos políticos nos afaste da mesma. Mas o homem político é um conceito associado ao funcionamento da polis (cidade-estado), generalizado depois para qualquer forma administrativa existente na sociedade. Portanto, todos somos Homens políticos sempre que damos o nosso contributo funcional para a sociedade onde nos inserimos.
Dito isto, na forma como os órgãos de soberania exercem os seus poderes, há demasiada política. Por exemplo escolher onde fazer um investimento tem uma forte componente política, mas esta não deve confundir-se com a análise técnica que analisa o custo benefício do mesmo. Esta confusão acontece muitas vezes! Há muitas situações que são de natureza técnica e que são analisadas logo de raiz, numa lógica política e isso é um erro. A política não deve estar onde os problemas são técnicos e estes são-no quase sempre e só depois (e nem sempre) se tornam políticos.

Escolher quantos anos deve ter o ensino obrigatório é uma opção política, definir o conteúdo do programa de matemática é um problema de natureza técnica. Escolher se as linhas do TGV devem ser A ou B é uma opção política, saber as opções que oferecem mais dificuldade de construção ou quais as mais rentáveis são questões técnicas. Determinar a sustentabilidade da segurança social é um problema técnico, optar por uma dada solução é exercer política. Esta distinção é importante, porque se as análises técnicas forem idóneas e se a decisão política for essencialmente marcada pelo racionalidade e fundamentada nas melhores evidências, então não devem existir tantos graus de liberdade na escolha política. Não é isto que vemos no dia-a-dia em que o mesmo problema se defende com um argumento e o seu contrário, conforme a conveniência.

Não estou com isto a defender uma lógica tecnocrática da governação. Ou melhor, estou, mas apenas nas áreas em que há saber robusto e indicadores claros e sempre com o sentido do bem comum em mente, o que não é normalmente a perspectiva do tecnocrata.

A administração central de um país deveria assim centrar os seus recursos na análises dos pareceres técnicos, dos indicadores internacionais e em como nos comparamos com eles e, com base nos desvios fazer as suas opções e apostas, em conformidade com as prioridades e metas definidas no programa do partido que foi apresentado às eleições. Na verdade, o que temos são ministérios a interferirem em exames escolares, em sustentações terapêuticas para financiar ou não um dado medicamento, etc. Isto reflecte misturas indesejáveis e torna qualquer acção muito difusa e pouco compreensível, excepto para especialistas que consigam avaliar a sustentação ou não das opções.

Esta dificuldade, em se compreenderem as opções de execução, por não se vislumbrar a fundamentação técnica, afasta-nos como cidadãos dos decisores políticos e dos níveis de intervenção que seriam desejáveis. A retórica política faz parte do jogo e é inevitável, mas num contexto nubloso deste tipo, assume proporções graves e geradoras de uma ainda maior desmobilização.

Se olhar para os vários planos estratégicos  das empresas onde trabalhei verifico uma clareza nos princípios estratégicos que se perseguiam, uma alinhamento dos objectivos com os mesmos e, acima de tudo, um plano e metas perfeitamente mensuráveis, que permitem não só criar alinhamento de toda a organização, como avaliar a progressão e adoptar correcções rápidas no caso de desvios. Um país não é uma empresa, mas não há razão nenhuma para, nesta dimensão, não se aproximar deste tipo de práticas, o que deveria começar com os programas com que os partidos se apresentam às eleições. Estes deviam ter bem claras as opções estratégicas, e ao detalhe técnico deviam juntar-se versões resumidas com metas claras e bem definidas no tempo. A execução do programa seria assim fácil de acompanhar, por simples confrontação da evolução dessas métricas com o que estava definido nas metas programáticas.
Não existir esta clareza nos programas e não se clarificarem as fundamentações das decisões em pareceres técnicos validados pelas instituições mais idóneas, só nos faz ignorar a realidade dos factos. Um sintoma muito evidente disso, ou não estivéssemos a 2 dias das eleições legislativas, é o que se passou ao longo desta campanha, em que não se discutiu quase nada de forma fundamentada e compreensível.

A verdade porém existe, independentemente das nossas opiniões e preferências pelo partido A ou B, e basta lermos o memorandum assinado com a Troika para, não só encontrarmos as metas que faltam nos programas dos partidos como aí constatarmos que há um conjunto dessas metas, com grande impacto nas nossas vidas que irão já começar a acontecer a partir de Julho independentemente se ser o PS ou o PSD a ganhar as eleições. E mal de nós se começarmos logo a não honrar o que assinámos há pouco. O tempo da negociação acabou! Concordemos ou não com o que foi acordado, independentemente do que achamos sobre os culpados e sobre o que teria acontecido se… agora é tempo apenas para executar. E seria bom que todos estivéssemos conscientes disso para votarmos em plena consciência sobre o que nos espera e sobre o quadro político que queremos ter na execução dos compromissos assumidos.
Seria também bom percebermos que não votar ou votar em branco são apenas formas de alheamento de uma escolha, que vai ser feita de qualquer maneira. Mesmo que tal, possa aliviar a nossa revolta com “estes políticos que não nos merecem”, com o sistema, com a injustiça, no dia 5 de Junho vai ser eleito um novo parlamento.



O governo, o parlamento, as administrações locais são instituições, mas o que é isso senão dizer que são feitas por pessoas como nós e é em nós que temos que encontrar soluções para os problemas que nos afectam, o que começa obviamente pelo voto. Esta é a crueza da realidade quer gostemos ou não e, ou nos assumimos como protagonistas, com capacidade de fazer a diferença ou seremos a vida inteira meros espectadores de uma vida governada por um destino que alguém define por nós…