sexta-feira, 22 de julho de 2011

Pseudociência

Há poucos dias vi na SIC uma reportagem, creio que no Jornal da Noite, sobre um rapaz Brasileiro que atraía objectos. Falava-se em magnetismo e claro, mandava-se para o ar a incapacidade da ciência explicar. Em vez disso devia ter-se falado em pré-adolescência e em falta de tomar banho.

Não houve qualquer preocupação da SIC em ouvir alguém que pudesse esclarecer o assunto, só a notícia para alimentar a propensão que já existe, a estas coisas milagrosas e misteriosas que, sendo raras, acontecem sempre por aqui e por ali.

O blog AstroPT.org editou uma revista sobre Pseudociência onde aborda muito exemplos e explica também como se deve proceder para inventar uma destas tretas.

http://astropt.org/blog/2011/07/20/pseudomagazine-edicao-especial/

sexta-feira, 8 de julho de 2011

A RTP, o serviço público e as aldrabices

O novo Governo afirmou que a RTP iria ser privatizada. Em abstracto tendo a achar um erro. Enquanto a televisão continuar a ter um papel tão central na vida da maior parte das pessoas penso que há lugar para pelo menos um canal onde a programação tenha uma preocupações que vão além dos critérios comerciais.

Passei muito tempo no Reino Unido e vi bastante a BBC. Também na BBC há algum lixo pouco compaginável com o que se chamaria serviço público. Mas proporcionalmente à RTP é pouco e parece-me que é meramente uma consequência de uma linha editorial que, uma vez delimitada, tem grandes graus de liberdade. Observei reportagens de grande nível e verifiquei que nas mesmas está quase sempre presente um "sentido de serviço ao público", por exemplo procurando tratar temas científicos complexos como a maior simplicidade possível ou desmascarando aldrabices ou desmistificando ideias enraizadas e que não fazem grande sentido. Muitas das melhores séries a nível mundial sobre a Natureza, a Cultura, a Ciência são da BBC. Várias dessas séries não existiriam se os critérios fossem apenas os da racionalidade financeira, pois apesar do peso mundial da BBC, duvido que os elevados custos de alguns desses programas sejam pagos pelas audiências dos mesmos. A definição difusa do chamado serviço público torna-se clara quando se analisa a BBC.

Não esperaria naturalmente que a RTP atingisse este nível na produção de conteúdos. Seriam demasiado caros para um mercado como nós. Mas esperaria ao nível da linha editorial da produção efectuada uma atitude semelhante. Embora a situação o merecesse, não vou tecer comentários em relação ao carácter mais ou menos popular de alguns programas da RTP, tipo os vários programas das manhãs, o Portugal no Coração, o Preço Certo e outros. Posso até admitir que estes programas façam parte do mix necessário para atrair uma audiência suficiente, passível de ser fidelizada e que possa depois consumir outros conteúdos, ditos de serviço público.
No entanto questiono fortemente certos programas, rubricas ou reportagens. Mesmo não descendo tão baixo quanto outros canais, onde por exemplo se passam horas a falar com os mortos, há na RTP uma presença regular de astrólogos, tarotólogos, medicinas altenativólogos e outros aldrabólogos.

Até se podia perceber a presença desta gente, se fosse para discutir de forma séria e com contraditório, a fonte da sua sabedoria, os seus diplomas, os fundamentos, as provas científicas da mesma e os resultados comprovados mas não, dá-se-lhes tempo de antena como se houvesse qualquer fundamento para a sua banha-da-cobra.

Exemplos disto recentes: Já referi num post anterior um convidado do Nicolau Breyner especialista em medicina energética isto em Prime Time numa 6ª à noite; Ainda mais recentemente, o homeopata (há quem chame homeopatetice) Nuno Oliveira teve direito a 30 minutos no Portugal no Coração, onde os apresentadores o trataram quase efusivamente e se calhar até de foma mais entusiástica do que se tivessem chamado um médico a sério, como um pediatra ou de clínica geral – O que pensarão as pessoas que vêm um programa destes e contactam com uma medicina tão milagrosa, sem contra-indicações, barata, garantida. É fácil pensar que no dia seguinte, os consultórios dos homeopatas vão estar mais cheios, e as farmácias que vendem xarope de água e comprimidos de açúcar, mais ricas. Mas esse é o menor dos efeitos. O pior é que há quem fique convencido que pode passar a tratar infecções sem antibióticos e cancros sem os tratamentos adequados, etc. Isto é portanto muito mais grave que a simples negligência informativa.

Dentro deste campo de abordagem da RTP por terrenos pantanosos inserem-se ainda coisas como a presença regular da astrologia,como rubricas de programas ou o privilégio que é dado à religião católica que tem uma presença muito mais frequente que as outras confissões com a transmissão de missas semanais, ou com as muitas horas de transmissões de Fátima, Vaticano, etc.

Como deveria a RTP agir perante este tipo de situação?

Um bom princípio jornalístico é o da neutralidade. Mesmo que os enviesamentos pessoais dos jornalistas sejam inevitáveis, tentar pugnar pela neutralidade permite não embarcar pela maioria, ir ao fundo da questão, procurar ângulos diversificados, dar voz às minorias, etc. No entanto neutralidade não pode ser entendida sempre como equidistância. Não se coloca em pé de igualdade o criminoso e a vítima; Não se dá o mesmo peso ao racista e ao defensor da igualdade; não se mete no mesmo saco a opinião do especialista e a do curioso, mesmo que cada uma possa e deva ter o seu espaço; não se trata a química no mesmo pé que a alquimia ou a medicina no mesmo plano da possessão demoníaca, etc, etc.

Há padrões civilizacionais e culturais que, mesmo sendo evolutivos e marcados pelos tempos em que vivemos, definem referenciais e pontos de partida. Diria assim que, em temas que envolvem conhecimento o jornalista não pode dar o mesmo peso àquilo que passou pelo crivo metodológico dos especialistas como o método científico e aquilo que se apresenta como verdade revelada, filosofia de vida, opinião, etc. Diria o mesmo se se comparasse uma sentença judicial a uma opinião de circunstância.

Isto significa que perante um dado problema há que privilegiar aquilo que está amplamente comprovado, rejeitar o que também está comprovado não funcionar e naquilo que é menos certo, dar peso à posição mais consensual dos especialistas, a mais testada, a mais comprovada pelas evidências, pelos testes, pelos modelos explicativos. É certo que há posições mais alternativas que poderão estar correctas, mas para atingirem um estatuto onde mereçam ser consideradas têm que ser testadas e percorrer o mesmo caminho que as mais consensuais.

Por isso quando se fala com alguém que tem uma explicação extraordinária para algo, há que pedir provas e que estas não sejam apenas exemplos e testemunhos, cujo rigor não se pode atestar. Testes controlados, confirmação por pares perante circunstâncias idênticas são critérios absolutamente fundamentais para que um carro ser vendido, ou a farinha do pão possa ser usada. Só se pede um critério semelhante naquilo que a RTP trata como conhecimento nos seus programas e pede-se também que, na sua missão de serviço público desmascare os aldrabões, os pseudo-médicos, os curandeiros, os místicos e outros que tais. Ou que pelo menos não lhes dê relevo.

Para quando reportagens como esta da BBC em que aborda precisamente o tema dos milhares de curandeiros que pululam por aí?