terça-feira, 1 de maio de 2012

1 anito modesto, mas escorreito, honesto e asseado

Fez um ano ontem, desde que resolvi verter algumas ideias no blogger. Ideias à volta de um tema central, que é essencialmente o do princípio da realidade ser independente da nossa opinião e ignorar completamente os nossos gostos ou preferências. Foram apenas 13 posts, muito menos do que queria e pensava escrever. Não faço promessas para o próximo ano. A vontade é grande, o tempo é infelizmente muito pequeno.

Agradeço aos leitores, espero que continuem. Obviamente não são muitos pois a regularidade dos posts não convida a visitas frequentes, mas ainda assim foram cerca de 1000.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Rumo ao desastre II - Ou talvez não!

Há na história do cinema muitos filmes deslumbrantes e muitos realizadores com obras fantásticas. No entanto, mesmo em grandes filmes e com grandes realizadores, nem sempre se encontram momentos de puro génio. O que vejo nesta cena da ”Lista de Schindler” é um desses momentos. É Spielberg no seu melhor! Este toque de cor na menina que se move numa moldura de profundo horror reforça ainda mais a angústia que sentimos ao observar o que seres humanos são capazes de fazer. Este filme, todo ele, é um exemplo daquilo que o dogma pode fazer às pessoas e também como se pode fazer diferente se, mesmo em condições difíceis, não se deixar de questionar aquilo que parece ser um dado adquirido.



Steven Weinberg tem uma frase famosa – “Com ou sem religião teríamos boas pessoas a fazer coisas boas e más pessoas a fazer coisas más. Mas para boas pessoas fazerem coisas más é preciso religião". Para concordar com a frase substituiria religião por dogma. A religião é apenas um subconjunto deste!
O que se passava nesta altura na Alemanha era profundamente marcado pelo dogma. Sem qualquer suporte de evidências, Hitler conseguiu a adesão de milhões às suas ideias e o Holocausto é uma demonstração tristemente cabal do que o dogma pode fazer. Seria absurdo pensar que todos os Arianos eram maus, mas muitos embarcaram com convicção numa ideia de segregação e foram capazes de atrocidades inacreditáveis enquanto outros foram apenas indiferentes o que, atendendo à gravidade da situação, não era uma atitude menor. Mas é também claro que, se em vez de Schindler, que era poderoso e por isso pôde usar o seu humanismo e engenho para ajudar, tivéssemos uma enorme maioria a questionar o porquê de determinadas ideias (afinal isso é a atitude do céptico), nem mesmo a extraordinária violência de Hitler teria sido capaz de manipular milhões de alemães levando-os a acreditar que os judeus e o mundo à volta eram a causa dos seus problemas.

A História mostra-nos que quando há racionalidade, a contenda é mais difícil e é por isso que entre democracias, com todas as suas falhas, se evitam conflitos profundos. A razão depende de sermos capazes de chegar a uma conclusão, independentemente da nossa preferência e saber distinguir que nem sempre o que nos é favorável, é o desejável para o todo e por isso só pode haver racionalidade se nos baseamos em evidências para argumentar e afirmar posições ou princípios. Compreender a História é uma forma de conhecermos as evidências pois, se o que se passa hoje não é uma repetição do passado, as causas dos problemas são inerentes aos defeitos dos seres humanos e portanto podemos claramente aprender com o passado e encontrar mais rapidamente soluções virtuosas. Por isso procurarmos colocar mais princípios de racionalidade na análise aos tempos de hoje também beneficia a nossa capacidade para distinguirmos entre aquilo que gostávamos que fosse e aquilo que é possível ser… e também para relativizarmos e distinguirmos onde estamos hoje e onde estávamos há anos atrás, evitando juízos distorcidos e demasiado negativistas. Afinal os tempos de hoje, só são maus em relação a um horizonte muito curto da nossa história e não significam em definitivo uma tendência negativa e muito menos uma atitude que nos leve ao lugar comum que é dizer que os tempso de hoje são mais difíceis.

Se o Homem é capaz de coisas terríveis, como a guerra e o genocídio, também há muita grandiosidade a enaltecer e a verdade é que em particular desde o Iluminismo não nos temos saído mal. Recomendo que se veja este site http://www.gapminder.org/world e se corram umas simulações para percebermos que a Humanidade nunca esteve, em média, tão próspera e desenvolvida como hoje . Outra hipótese é ver qualquer dos filmes do Hans Rowling disponíveis no YouTube ou no Ted, por exemplo este:



Além da enorme melhoria dos indicadores de desenvolvimento económico e dos indicadores de desenvolvimento humano, a própria concepção de sociedade que temos hoje é impar na História. Em termos médios, a ideia vigente que vigora nos países mais desenvolvidos e que vai crescendo por aproximação em quase todos os outros à medida que o desenvolvimento acontece, é a do reconhecimento da igualdade entre o ser humano independentemente do género, raça ou credo; também não consideramos aceitável que haja classes ou elites com mais direitos que outras e reconhecemos por isso direitos aos outros independentemente de serem da nossa família, do nosso país ou da nossa religião; achamos também que a sociedade é uma construção colectiva e que, sem que haja deveres que ajudem a essa construção é inaceitável reivindicarmos muitos direitos.

Um subproduto destas duas realidades, do maior desenvolvimento e da maior consciência social, é que encaramos as falhas como algo a resolver e em relação às quais até temos obrigações e algum poder para provocar mudanças. Mário Soares chamou ao século XX, o “século do povo” pois aí aconteceram muitas conquistas ou consolidações estendendo o que era apanágio apenas de elites, a todos. O direito ao voto, os direitos inerentes ao trabalho, a condição do género feminino, a igualdade étnica e cultural, etc., fazem parte dessas conquistas do séc XX. São muito recentes e foi moroso chegar lá, mas parecem-nos de tal modo intuitivas e universais, que hoje não aceitamos a miséria ou a injustiça como uma fatalidade ou um desígnio de Deus e achamos há um dever em não se permitirem estes problemas. Contribuímos com impostos, cumprimos leis e fazemo-lo, não por qualquer obrigação régia forçada ou ideia bíblica de caridade, mas porque sabemos que faz parte inerente da decência humana e é fundamental para que a sociedade de que fazemos parte, seja eficiente e funcione.

Claro que há países mais distantes destes conceitos. Claro que há pessoas em cada sociedade, que não se comportam deste modo, mas é por esta construção que, neste Mundo global, esperamos que cada cidadão dê o seu contributo. É também este padrão, no caso de Portugal ainda distante dos melhores, que reivindicamos.

O desemprego, a desigualdade social, a economia em recessão, as ameaças à democracia, os conflitos de amplitude diversa, as disputas étnicas e religiosas, os problemas ambientais fazem-nos temer o pior. Convém no entanto não esquecermos o referencial, à luz do qual fazemos a nossa análise e é importante reconhecermos também a parte boa que atingimos e, na luta por mais direitos, percebermos que essa construção tem que ser equilibrada e sustentável e nem tudo pode ser um direito adquirido, quando outros estão demasiado distantes de nós.

Transformámos o mundo numa aldeia global e isso seria absolutamente inconcebível para as pessoas de há meia dúzia de gerações atrás. Para se compreender este novo mundo há por isso que ampliar a nossa visão das soluções que não pode ser apenas a da “nossa rua”. Exigirmos líderes mais honestos e com uma visão mais ampla é importante, mas é também importante não sermos nós os primeiros a revelar um horizonte de homem pigmeu, esquecendo o contributo individual de cada um para a sociedade e para o mundo.

A ciência, mais a democracia e o respeito pelos direitos humanos podem nas próximas décadas fazer elevar ainda mais o patamar actual e trazer benefícios a cada vez mais seres humanos reduzindo o problema de desenvolvimento principal dos dias de hoje que ainda é a desigualdade, mas a tal análise racional também nos levará a descobrirmos as fortes ameaças e percebermos que tudo pode desmoronar-se, se de facto não soubermos continuar a garantir um razoável equilíbrio de direitos e deveres e não entendermos que temos a mesma obrigação que qualquer outro ser humano, incluindo os líderes, para contribuir para o desenvolvimento da sociedade e para a resolução dos problemas afectando-nos ou não. Não é uma tarefa do político, é de todos e quanto mais a sociedade civil funcionar bem, menos sujeitos estaremos à maré do bom ou mau governante e por isso, uma boa sociedade acabará até por filtrar e aniquiliar o político corrupto, de visão curta ou o cacique.