quarta-feira, 20 de maio de 2020

Conhece o mundo onde vive ou é pior que o Chimpanzé?

Hans Rosling, médico, demógrafo e conferencista extraordinário falecido há dois anos, esteve em Portugal em 2015 assinalando os 5 anos da Pordata numa conferência.

 Aí, começou a sua apresentação fazendo de forma interativa 12 ou 13 perguntas gerais sobre o mundo, que o público respondia através de uns dispositivos eletrónicos. Eis algumas:

 - Nos últimos 20 anos, a nível mundial, a proporção de pessoas a viver em pobreza extrema…

Quase duplicou

Manteve-se mais ou menos igual

Diminuiu para quase metade

 - A nível mundial, quantas crianças, com até 1 ano de idade foram vacinadas contra alguma doença?

80%

50%

20%

 - De que modo variou, ao longo dos últimos 100 anos, o número de mortes anuais devidas a desastres naturais?

Mais do que duplicou

Manteve-se mais ou menos o mesmo

Diminuiu para mais de metade

 - A nível mundial, os homens com 30 anos de idade passaram, em média, 10 anos na escola. Quantos anos passaram na escola, em média, as mulheres com a mesma idade?

9 anos

6 anos

3 anos

 - Atualmente, qual é a esperança média de vida da população mundial?

50 anos

60 anos

70 anos

 Se respondeu a todas as perguntas com a opção mais positiva então acertou. Mas, nessa conferência muito pouca gente acertava em todas as perguntas. Aliás Hans Rosling concluía com piada que a sabedoria da plateia era pior que a de Chimpanzés já que estes, respondendo aleatoriamente acertavam em 33% das perguntas, enquanto a plateia tinha percentagens na ordem dos 20%, o que só se explica pelo facto de mesmo pessoas com elevado nível de formação, como as que estavam na conferência, estarem muito mal informadas sobre o progresso.

 A verdade é que formulamos frequentemente ideias e conceitos sobre os problemas que existem no mundo, com base em perceções erradas. Isso é um enorme problema, porque se não acertamos no diagnóstico dificilmente acertaremos nas soluções. E aplica-se a qualquer coisa das nossas vidas. Se achar que consigo correr 5 km em 10 minutos mesmo nunca tendo feito uma boa preparação física, quando tentar fazê-lo vou perceber que provavelmente nem em 20 minutos (o record do mundo em homens são 12m37s e em mulheres 14m11s. Ou seja, a realidade vai tratar de destruir completamente a minha perceção. Mas, se por acaso não o fizer e nunca ligar muito aos records de atletismo, posso ficar a vida toda iludido em que seria possível correr 5km em 10 minutos.

As nossas ações são baseadas não na realidade, mas sim na perceção que temos desta e portanto se estivermos errados corremos o risco de ter ações erradas, formular opiniões pouco fundamentadas, defender pontos de vista inconsistentes. E pior, muitas vezes defendê-las de forma intensa. Afinal de conta há que defender as nossas ideias...

 Um famoso filantropista do início do séc. XX, Bernard Baruch, dizia com grande propriedade, “Temos direito à nossa opinião, mas não aos nossos factos”. Mas quantas são as vezes em que vemos tomadas de posição baseadas em informação profundamente errada? Podemos dizer que sempre foi assim, mas hoje há dimensões novas neste problema. Durante a maior parte do tempo da humanidade, a informação disponível era limitada, pouco acessível e o conhecimento baixo. Por isso tomar decisões erradas por causa da má informação disponível (ou indisponível) era mais ou menos normal. Pelo contrário, hoje, não há falta de informação e o conhecimento sobre a generalidade dos temas é elevado e acessível. Assim, temos a obrigação de nos informarmos bem e procurarmos emitir opiniões fundamentadas. Mas estranhamente isto é mais difícil do que parece. Todos sabemos do fenómeno das fake news. A verdade é que estas estão bem disfarçadas, de forma a parecerem ser credíveis e com origens fidedignas. Ou seja, passamos de um paradigma de ausência e má qualidade, para uma situação de abundância, quiçá até de excesso, mas também com bastante ruído, que torna difícil por vezes distinguir o bom do mau. 

A solução passa essencialmente pela dúvida sistemática, pela verificação múltipla e pela procura de boas fontes de informação. Mas hoje o tema não é esse. O objetivo é sabermos como melhorar o que sabemos do mundo? Precisamos de referências de boa informação factual, com profundidade, para podermos avaliar corretamente as situações e agir na resolução dos problemas?  

E atenção que não é fácil ganharmos alguma solidez nos conhecimentos. O ser humano tem alguns viés cognitivos que dificultam certos processos. Na era do Facebook e do Youtube, muitos acham que por terem visto uns vídeos ou uns posts já sabem mais que os médicos, os engenheiros e outros verdadeiros especialistas que às vezes dedicaram uma vida a determinados temas. Um conjuntos de estudos muito interessante de dois psicólogos sociais, Dunning e Kruger, evidenciam a nossa dificuldade de avaliar o que sabemos sobre um determinado assunto.

O ciclo é interessante. Há uma fase em que não sabemos nada e obviamente temos consicência disso. Depois, quando aprendemos um pouco caímos é fácil ganharmos a perceção que já sabemos alguma coisa de relevante e tendemos a sobreavaliar o nosso conhecimento. À medida que vamos estudando mais sobre o assunto percebemos afinal que nos faltava saber muito. Continuamos a aprofundar e então sim, ao fim de esforço e tempo, podemos dizer que sabemos sobre o assunto.

O problema está em que durante este percurso temos muitas vezes a noção errada do que sabemos. Normalmente a confiança é inversamente proporcional ao conhecimento e a verdade é muitas pessoas, quiçá a maioria, não produzem o esforço necessário para sair da fase em que sabem pouco, mas julgam saber muito. Isso leva a imensos juízos convencidos de serem plenos de sapiência, quando pouco mais arranham do que o básico de alguns temas. E leva a situações caricatas, em que os media são férteis a pretexto da igualdade de pontos de vista, em que se assiste à discussão em quase pé de igualdade de especialistas e pseudo conhecedores de qualquer que se disfarça de conhecimento.


Convém por isso estarmos bem informados sobre o mundo e fazermos o percurso da curva de Dunning Kruger ou pelo menos evitarmos considerarmo-nos especialistas, quando não passamos de iniciados.

 Um segundo viés cognitivo que afeta o ser humano e  que é importante superar é a nossa tendência para darmos mais importância aos eventos negativos, do que às coisas boas. É normal. A evolução talhou-nos dessa forma porque a sobrevivência conquista-se com a resolução de problemas e não com glória das dificuldades que fomos capazes de superar. Mas isso leva a que vivamos inundados de notícias que são quase sempre, apenas sobre os problemas do mundo. Não é notícia a ausência de problemas e explora-se até à exaustão qualquer pequeno incidente.

 Com isto construímos uma perceção das coisas, pior do que a realidade. Achamos que vivemos num mundo pior do que no passado, mais inseguro, mais violento, com mais conflitos e guerras, mais poluído, mais desigual, menos democrático, com mais pobreza. A verdade é que se compararmos o mundo de hoje com o mundo de há 50, 30, 20, 10 anos há muito menos pobreza, menos guerras, mais esperança de vida, menos armas nucleares, mais países democráticos. 

É por isso importante construirmos uma nova perceção. O mundo está melhor do que alguma vez foi, mas pode ser muito melhor e há problemas enormes que temos que resolver. Alguns resultam de sucessos enormes que tivemos, como o desenvolvimento económico que gerou um consumo excessivo de recursos e emissões enormes de gases levando aos problemas da sustentabilidade e das alterações climáticas, que são sem dúvida os maiores problemas de sempre da Humanidade. Outros problemas que resultam de situações de sucesso são a ameaça do desemprego de longo prazo devido à disrupção tecnológica e até a desigualdade extrema, que está a diminuir globalmente mas aumenta dentro dos países, sendo o resultado da distorção do mundo financeiros. 

Estes são exemplos reais de problemas que carecem de ação profunda e coordenada. E são difíceis porque exigem níveis de cooperação global sem precedentes na história da humanidade. Mas a estes problemas juntam-se outros, que só são reais porque falhamos a tal compreensão do mundo em que vivemos. Muito do populismo que vemos crescer em alguns países com democracias desenvolvidas resulta precisamente do desconhecimento dos benefícios da globalização, da migração, da evolução tecnológica em áreas como a agricultura, o saneamento, a educação, a saúde. 

Esta falta de conhecimento de base é terreno fértil para os populistas que, com as suas mensagens fáceis para problemas complexos transmitem uma ideia de terem boas soluções, às vezes até para problemas que não existem, iludindo muita gente e acima de tudo afastando-nos da tal cooperação global que é necessária para atacar estes problemas globais sérios e complexos e que, se não forem endereçados, podem provocar recuos significativos ao progresso das últimas décadas.

É por isso uma responsabilidade de cada um de nós, informarmo-nos e termos também a honestidade intelectual de mudarmos de ideia, caso os factos apontem para um caminho diferente daquele que as nossas convicções iniciais apontavam.

Se não o fizermos, neste mundo das redes sociais e dos algoritmos, vamos sempre encontrar um grupo qualquer, que alinhe pelo diapasão do que já achamos saber mesmo que com base em informação pobre ou errada. Seremos apenas doentes de Dunning-Krugerismo, incapazes de aprender a sério. É por isso que há terraplanistas ou anti-vacinas. São absurdos num mundo do conhecimento, mas são reais e em crescimento porque o pouco que sabem é depois sucessivamente alimentado por pontos de vista fechados, que apenas reforçam as convicções anteriores dando-lhes a ilusão de que estão a aprender.

 Hans Rosling, Steven Pinker, Max Roser e em Portugal a Fundação Francisco Manuel dos Santos através do Pordata têm projetos e livros de enormes méritos, no combate à iliteracia sobre o mundo.

 Deixo em baixo alguns links importantes que convém explorar e informação de livros muito estruturantes do pensamento sobre a realidade nestas dimensões básicas do desenvolvimento humano e civilizacional. Se tiver que escolher só um link e um só livro, sugiro  o gapminder da Fundação Rosling e o Iluminismo Agora, de Steven Pinker. 

Fica também uma frase importante de Max Roser, "o Mundo está muito melhor; o mundo é horrível; o mundo pode ser muito melhor".


  Sites

www.pordata.pt

www.gapminder.org

https://ourworldindata.org/

https://www.worldometers.info/

https://www.theworldcounts.com/

https://databank.worldbank.org/home.aspx

https://ec.europa.eu/eurostat/data/database

 Livros

Iluminismo Agora – Steven Pinker

Factfulness – Hans Rosling


Covid 19 - A estratégia Sueca de evitar o Lockdown funciona?

Problema:

Qual a melhor maneira de minimizar o impacto do Covid 19 em termos de Saúde Pública e da economia?

 (Covid 19; #CovidSweden; #Covid; #hurdimmunity; #economy; #recession)



 Contexto: 

Há essencialmente duas estratégias de ação de combate ao Covid 19:

·          Uma, tentada pelo Reino Unido (e rapidamente abandonada) e pela Suécia (que persiste), que estabelece algumas medidas de afastamento social e fecho de algumas estruturas, mas evita medidas mais fortes de confinamento, como o Lockdown, mantendo grande parte das escolas e comércio, como restaurantes e cafés, abertos, impedindo apenas concentrações acima das 50 pessoas;

·          Uma segunda, que é a da grande maioria dos países e que procura criar o máximo isolamento social procurando evitar grandes focos de transmissão que podem comprometer a capacidade do Sistema de Saúde e com isso incrementar a mortalidade, tal como verificado em Itália, em Espanha e em Nova Iorque, entre outros. 

Ideias: 

A primeira estratégia visa naturalmente evitar uma recessão económica. O lockdown quebra grande parte da atividade económica já que se bloqueiam a maioria dos negócios de comércio e de serviços de proximidade, com exceção dos bens de primeira necessidade.

Os defensores desta abordagem promovem a ideia de proteger apenas a população idosa e quem tenha morbilidades específicas, já que são quem tem maior vulnerabilidade a este vírus, com taxas de letalidade muito elevadas, evitando proteger as pessoas mais novas, em que a taxa de letalidade é baixa. Com isto esperam minimizar o impacto económico e o desemprego, ao mesmo tempo que aceleram a chamada imunidade de grupo, já que mais pessoas se infetariam ficando assim com anticorpos. 

Os virologistas calculam para este vírus uma taxa de 60%, como a que garante imunidade, embora existam também teses que apontam para valores significativamente mais baixos.

Solução/Propostas:
A realidade dos factos mostra que a abordagem da Suécia leva a taxas de mortalidade mais elevadas. Neste momento tem um número de mortos por milhão de habitantes mais de 3 vezes superior a países homólogos, como os seus vizinhos Nórdicos. As autoridades continuam a insistir que a estratégia é a correta já que considerar que se irão suceder novas vagas de Covid 19 e aí terão maior imunidade que os restantes países. Ou seja só no final deste processo, eventualmente quando surgir uma vacina que será ainda demorada (as perspetivas mais otimistas apontam 18 meses), se poderão comparar as taxas de mortalidade. 

Por outro lado, as projeções de várias entidades e analistas económicos projetam uma recessão da Suécia semelhante à outros países que tiveram custos humanos muito inferiores.

A Suécia ignora no entanto que o conhecimento deste vírus, que é novo, está em constante evolução e portanto existem novas abordagens terapêuticas que com o passar do tempo poderão minimizar o impacto em vidas humanas. 

Do mesmo modo, as economias estando muito ligadas globalmente, não permitem grandes vantagens à Suécia nessa dimensão.

Assim sendo tudo aponta para que o Lockdown seja a melhor abordagem, porque minimiza as mortes da primeira vaga, dando tempo para que o conhecimento se adquira e como isso potencialmente se evitem tantas mortes no futuro.

O esforço de recuperação da economia terá que acontecer e é semelhante, tanto na estratégia da Suécia, como no Lockdown e passa na fase atual por ir abrindo a economia, desconfinando com prudência, mas mantendo regras de distanciamento social e prudência por forma a evitar novos focos de grande impacto.


Referências:






terça-feira, 1 de maio de 2012

1 anito modesto, mas escorreito, honesto e asseado

Fez um ano ontem, desde que resolvi verter algumas ideias no blogger. Ideias à volta de um tema central, que é essencialmente o do princípio da realidade ser independente da nossa opinião e ignorar completamente os nossos gostos ou preferências. Foram apenas 13 posts, muito menos do que queria e pensava escrever. Não faço promessas para o próximo ano. A vontade é grande, o tempo é infelizmente muito pequeno.

Agradeço aos leitores, espero que continuem. Obviamente não são muitos pois a regularidade dos posts não convida a visitas frequentes, mas ainda assim foram cerca de 1000.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Rumo ao desastre II - Ou talvez não!

Há na história do cinema muitos filmes deslumbrantes e muitos realizadores com obras fantásticas. No entanto, mesmo em grandes filmes e com grandes realizadores, nem sempre se encontram momentos de puro génio. O que vejo nesta cena da ”Lista de Schindler” é um desses momentos. É Spielberg no seu melhor! Este toque de cor na menina que se move numa moldura de profundo horror reforça ainda mais a angústia que sentimos ao observar o que seres humanos são capazes de fazer. Este filme, todo ele, é um exemplo daquilo que o dogma pode fazer às pessoas e também como se pode fazer diferente se, mesmo em condições difíceis, não se deixar de questionar aquilo que parece ser um dado adquirido.



Steven Weinberg tem uma frase famosa – “Com ou sem religião teríamos boas pessoas a fazer coisas boas e más pessoas a fazer coisas más. Mas para boas pessoas fazerem coisas más é preciso religião". Para concordar com a frase substituiria religião por dogma. A religião é apenas um subconjunto deste!
O que se passava nesta altura na Alemanha era profundamente marcado pelo dogma. Sem qualquer suporte de evidências, Hitler conseguiu a adesão de milhões às suas ideias e o Holocausto é uma demonstração tristemente cabal do que o dogma pode fazer. Seria absurdo pensar que todos os Arianos eram maus, mas muitos embarcaram com convicção numa ideia de segregação e foram capazes de atrocidades inacreditáveis enquanto outros foram apenas indiferentes o que, atendendo à gravidade da situação, não era uma atitude menor. Mas é também claro que, se em vez de Schindler, que era poderoso e por isso pôde usar o seu humanismo e engenho para ajudar, tivéssemos uma enorme maioria a questionar o porquê de determinadas ideias (afinal isso é a atitude do céptico), nem mesmo a extraordinária violência de Hitler teria sido capaz de manipular milhões de alemães levando-os a acreditar que os judeus e o mundo à volta eram a causa dos seus problemas.

A História mostra-nos que quando há racionalidade, a contenda é mais difícil e é por isso que entre democracias, com todas as suas falhas, se evitam conflitos profundos. A razão depende de sermos capazes de chegar a uma conclusão, independentemente da nossa preferência e saber distinguir que nem sempre o que nos é favorável, é o desejável para o todo e por isso só pode haver racionalidade se nos baseamos em evidências para argumentar e afirmar posições ou princípios. Compreender a História é uma forma de conhecermos as evidências pois, se o que se passa hoje não é uma repetição do passado, as causas dos problemas são inerentes aos defeitos dos seres humanos e portanto podemos claramente aprender com o passado e encontrar mais rapidamente soluções virtuosas. Por isso procurarmos colocar mais princípios de racionalidade na análise aos tempos de hoje também beneficia a nossa capacidade para distinguirmos entre aquilo que gostávamos que fosse e aquilo que é possível ser… e também para relativizarmos e distinguirmos onde estamos hoje e onde estávamos há anos atrás, evitando juízos distorcidos e demasiado negativistas. Afinal os tempos de hoje, só são maus em relação a um horizonte muito curto da nossa história e não significam em definitivo uma tendência negativa e muito menos uma atitude que nos leve ao lugar comum que é dizer que os tempso de hoje são mais difíceis.

Se o Homem é capaz de coisas terríveis, como a guerra e o genocídio, também há muita grandiosidade a enaltecer e a verdade é que em particular desde o Iluminismo não nos temos saído mal. Recomendo que se veja este site http://www.gapminder.org/world e se corram umas simulações para percebermos que a Humanidade nunca esteve, em média, tão próspera e desenvolvida como hoje . Outra hipótese é ver qualquer dos filmes do Hans Rowling disponíveis no YouTube ou no Ted, por exemplo este:



Além da enorme melhoria dos indicadores de desenvolvimento económico e dos indicadores de desenvolvimento humano, a própria concepção de sociedade que temos hoje é impar na História. Em termos médios, a ideia vigente que vigora nos países mais desenvolvidos e que vai crescendo por aproximação em quase todos os outros à medida que o desenvolvimento acontece, é a do reconhecimento da igualdade entre o ser humano independentemente do género, raça ou credo; também não consideramos aceitável que haja classes ou elites com mais direitos que outras e reconhecemos por isso direitos aos outros independentemente de serem da nossa família, do nosso país ou da nossa religião; achamos também que a sociedade é uma construção colectiva e que, sem que haja deveres que ajudem a essa construção é inaceitável reivindicarmos muitos direitos.

Um subproduto destas duas realidades, do maior desenvolvimento e da maior consciência social, é que encaramos as falhas como algo a resolver e em relação às quais até temos obrigações e algum poder para provocar mudanças. Mário Soares chamou ao século XX, o “século do povo” pois aí aconteceram muitas conquistas ou consolidações estendendo o que era apanágio apenas de elites, a todos. O direito ao voto, os direitos inerentes ao trabalho, a condição do género feminino, a igualdade étnica e cultural, etc., fazem parte dessas conquistas do séc XX. São muito recentes e foi moroso chegar lá, mas parecem-nos de tal modo intuitivas e universais, que hoje não aceitamos a miséria ou a injustiça como uma fatalidade ou um desígnio de Deus e achamos há um dever em não se permitirem estes problemas. Contribuímos com impostos, cumprimos leis e fazemo-lo, não por qualquer obrigação régia forçada ou ideia bíblica de caridade, mas porque sabemos que faz parte inerente da decência humana e é fundamental para que a sociedade de que fazemos parte, seja eficiente e funcione.

Claro que há países mais distantes destes conceitos. Claro que há pessoas em cada sociedade, que não se comportam deste modo, mas é por esta construção que, neste Mundo global, esperamos que cada cidadão dê o seu contributo. É também este padrão, no caso de Portugal ainda distante dos melhores, que reivindicamos.

O desemprego, a desigualdade social, a economia em recessão, as ameaças à democracia, os conflitos de amplitude diversa, as disputas étnicas e religiosas, os problemas ambientais fazem-nos temer o pior. Convém no entanto não esquecermos o referencial, à luz do qual fazemos a nossa análise e é importante reconhecermos também a parte boa que atingimos e, na luta por mais direitos, percebermos que essa construção tem que ser equilibrada e sustentável e nem tudo pode ser um direito adquirido, quando outros estão demasiado distantes de nós.

Transformámos o mundo numa aldeia global e isso seria absolutamente inconcebível para as pessoas de há meia dúzia de gerações atrás. Para se compreender este novo mundo há por isso que ampliar a nossa visão das soluções que não pode ser apenas a da “nossa rua”. Exigirmos líderes mais honestos e com uma visão mais ampla é importante, mas é também importante não sermos nós os primeiros a revelar um horizonte de homem pigmeu, esquecendo o contributo individual de cada um para a sociedade e para o mundo.

A ciência, mais a democracia e o respeito pelos direitos humanos podem nas próximas décadas fazer elevar ainda mais o patamar actual e trazer benefícios a cada vez mais seres humanos reduzindo o problema de desenvolvimento principal dos dias de hoje que ainda é a desigualdade, mas a tal análise racional também nos levará a descobrirmos as fortes ameaças e percebermos que tudo pode desmoronar-se, se de facto não soubermos continuar a garantir um razoável equilíbrio de direitos e deveres e não entendermos que temos a mesma obrigação que qualquer outro ser humano, incluindo os líderes, para contribuir para o desenvolvimento da sociedade e para a resolução dos problemas afectando-nos ou não. Não é uma tarefa do político, é de todos e quanto mais a sociedade civil funcionar bem, menos sujeitos estaremos à maré do bom ou mau governante e por isso, uma boa sociedade acabará até por filtrar e aniquiliar o político corrupto, de visão curta ou o cacique.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Rumo ao desastre - I

Terminou mal a Cimeira de Durban. Ao contrário das anteriores cimeiras climáticas, quase não se ouviu falar desta. Também ao contrário das anteriores os chefes de estado mandaram as terceiras linhas e muitos dos maiores poluidores do mundo procuraram diminuir os compromissos já assumidos em relação à redução de emissões.

O contexto da crise financeira actual torna menos mediática e menos central a discussão sobre o futuro mas os problemas não vão desaparecer ou adiar-se por causa disso, apenas a sua solução. No fim prolongou-se o protocolo de Quioto, que terminava no próximo ano e isso foi o melhor que se conseguiu. De certeza que o próximo será para reduzir compromissos e não para os reforçar.
Enquanto isso o planeta vai rumo a um aumento de 3 ou 4 graus de temperatura média até 2100 e 6 a 7 em algumas zonas do planeta. Caso se apertassem as medidas podia-se ambicionar uma subida de 1,5 a 2 graus, o que resultaria num impacto negativo muito menor. Rumo ao desastre, nada contam os fenómenos climáticos cada vez mais extremos mundo fora; Nada contam os países isolados no meio do oceano que irão desaparecer, a desertificação acelerada de zonas do planeta  já hoje deprimidas e miseráveis e nada contam  até aquelas evidências claríssimas que acontecem já hoje, como por exemplo as recorrentes grandes inundações do Oeste Asiático (lembram-se que parte da Tailândia esteve debaixo de água durante meses, este ano?).




A crise financeira que enfrentamos é muito grave e é um grande desafio global, mas há problemas de longo prazo que, se deixarmos de lutar contra eles se transformarão em crises muito mais profundas que a actual. Na economia, quando há défice a aumentar, acumula-se dívida. Além dos factores de especulação financeira, foi isso que nos colocou onde estamos. Desde 1986 o conjunto agregado dos recursos naturais é consumido acima da reposição natural. Falamos portanto de défice planetário ao nível dos recursos naturais.
Essa também será uma dívida que passará para as próximas gerações, com a diferença que nem com medidas de emergência se conseguirá pagar. A subida do nível do mar, a perda de biodiversidade, a escassez de alguns recursos e os fenómenos climáticos extremos terão um impacto na vida das pessoas, com destruições inimagináveis e um efeito no PIB, dezenas de vezes superior ao efeito da actual crise. Faça-se com esta futura crise, o que se fez com a actual ignorando-se as evidências em tempo útil e veremos…

Uma nota final para dizer que nisto tudo a Europa não sai mal pois tem compromissos assumidos superiores ao protocolo de Quioto. Infelizmente fazermos o que está bem não nos dá garantias de não sermos afectados pelos problemas, mas é importante que o façamos, pois o mal dos outros nunca deve ser justificação para que não façamos as coisas certas e acima de tudo isto cria pressão e condições negociais para se procurar que outros o façam também. O problema do clima é o mais global de todos e só acções concertadas poderão mitigá-lo.

Faltam líderes cuja visão vá além do fim da sua rua…

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Pseudociência

Há poucos dias vi na SIC uma reportagem, creio que no Jornal da Noite, sobre um rapaz Brasileiro que atraía objectos. Falava-se em magnetismo e claro, mandava-se para o ar a incapacidade da ciência explicar. Em vez disso devia ter-se falado em pré-adolescência e em falta de tomar banho.

Não houve qualquer preocupação da SIC em ouvir alguém que pudesse esclarecer o assunto, só a notícia para alimentar a propensão que já existe, a estas coisas milagrosas e misteriosas que, sendo raras, acontecem sempre por aqui e por ali.

O blog AstroPT.org editou uma revista sobre Pseudociência onde aborda muito exemplos e explica também como se deve proceder para inventar uma destas tretas.

http://astropt.org/blog/2011/07/20/pseudomagazine-edicao-especial/

sexta-feira, 8 de julho de 2011

A RTP, o serviço público e as aldrabices

O novo Governo afirmou que a RTP iria ser privatizada. Em abstracto tendo a achar um erro. Enquanto a televisão continuar a ter um papel tão central na vida da maior parte das pessoas penso que há lugar para pelo menos um canal onde a programação tenha uma preocupações que vão além dos critérios comerciais.

Passei muito tempo no Reino Unido e vi bastante a BBC. Também na BBC há algum lixo pouco compaginável com o que se chamaria serviço público. Mas proporcionalmente à RTP é pouco e parece-me que é meramente uma consequência de uma linha editorial que, uma vez delimitada, tem grandes graus de liberdade. Observei reportagens de grande nível e verifiquei que nas mesmas está quase sempre presente um "sentido de serviço ao público", por exemplo procurando tratar temas científicos complexos como a maior simplicidade possível ou desmascarando aldrabices ou desmistificando ideias enraizadas e que não fazem grande sentido. Muitas das melhores séries a nível mundial sobre a Natureza, a Cultura, a Ciência são da BBC. Várias dessas séries não existiriam se os critérios fossem apenas os da racionalidade financeira, pois apesar do peso mundial da BBC, duvido que os elevados custos de alguns desses programas sejam pagos pelas audiências dos mesmos. A definição difusa do chamado serviço público torna-se clara quando se analisa a BBC.

Não esperaria naturalmente que a RTP atingisse este nível na produção de conteúdos. Seriam demasiado caros para um mercado como nós. Mas esperaria ao nível da linha editorial da produção efectuada uma atitude semelhante. Embora a situação o merecesse, não vou tecer comentários em relação ao carácter mais ou menos popular de alguns programas da RTP, tipo os vários programas das manhãs, o Portugal no Coração, o Preço Certo e outros. Posso até admitir que estes programas façam parte do mix necessário para atrair uma audiência suficiente, passível de ser fidelizada e que possa depois consumir outros conteúdos, ditos de serviço público.
No entanto questiono fortemente certos programas, rubricas ou reportagens. Mesmo não descendo tão baixo quanto outros canais, onde por exemplo se passam horas a falar com os mortos, há na RTP uma presença regular de astrólogos, tarotólogos, medicinas altenativólogos e outros aldrabólogos.

Até se podia perceber a presença desta gente, se fosse para discutir de forma séria e com contraditório, a fonte da sua sabedoria, os seus diplomas, os fundamentos, as provas científicas da mesma e os resultados comprovados mas não, dá-se-lhes tempo de antena como se houvesse qualquer fundamento para a sua banha-da-cobra.

Exemplos disto recentes: Já referi num post anterior um convidado do Nicolau Breyner especialista em medicina energética isto em Prime Time numa 6ª à noite; Ainda mais recentemente, o homeopata (há quem chame homeopatetice) Nuno Oliveira teve direito a 30 minutos no Portugal no Coração, onde os apresentadores o trataram quase efusivamente e se calhar até de foma mais entusiástica do que se tivessem chamado um médico a sério, como um pediatra ou de clínica geral – O que pensarão as pessoas que vêm um programa destes e contactam com uma medicina tão milagrosa, sem contra-indicações, barata, garantida. É fácil pensar que no dia seguinte, os consultórios dos homeopatas vão estar mais cheios, e as farmácias que vendem xarope de água e comprimidos de açúcar, mais ricas. Mas esse é o menor dos efeitos. O pior é que há quem fique convencido que pode passar a tratar infecções sem antibióticos e cancros sem os tratamentos adequados, etc. Isto é portanto muito mais grave que a simples negligência informativa.

Dentro deste campo de abordagem da RTP por terrenos pantanosos inserem-se ainda coisas como a presença regular da astrologia,como rubricas de programas ou o privilégio que é dado à religião católica que tem uma presença muito mais frequente que as outras confissões com a transmissão de missas semanais, ou com as muitas horas de transmissões de Fátima, Vaticano, etc.

Como deveria a RTP agir perante este tipo de situação?

Um bom princípio jornalístico é o da neutralidade. Mesmo que os enviesamentos pessoais dos jornalistas sejam inevitáveis, tentar pugnar pela neutralidade permite não embarcar pela maioria, ir ao fundo da questão, procurar ângulos diversificados, dar voz às minorias, etc. No entanto neutralidade não pode ser entendida sempre como equidistância. Não se coloca em pé de igualdade o criminoso e a vítima; Não se dá o mesmo peso ao racista e ao defensor da igualdade; não se mete no mesmo saco a opinião do especialista e a do curioso, mesmo que cada uma possa e deva ter o seu espaço; não se trata a química no mesmo pé que a alquimia ou a medicina no mesmo plano da possessão demoníaca, etc, etc.

Há padrões civilizacionais e culturais que, mesmo sendo evolutivos e marcados pelos tempos em que vivemos, definem referenciais e pontos de partida. Diria assim que, em temas que envolvem conhecimento o jornalista não pode dar o mesmo peso àquilo que passou pelo crivo metodológico dos especialistas como o método científico e aquilo que se apresenta como verdade revelada, filosofia de vida, opinião, etc. Diria o mesmo se se comparasse uma sentença judicial a uma opinião de circunstância.

Isto significa que perante um dado problema há que privilegiar aquilo que está amplamente comprovado, rejeitar o que também está comprovado não funcionar e naquilo que é menos certo, dar peso à posição mais consensual dos especialistas, a mais testada, a mais comprovada pelas evidências, pelos testes, pelos modelos explicativos. É certo que há posições mais alternativas que poderão estar correctas, mas para atingirem um estatuto onde mereçam ser consideradas têm que ser testadas e percorrer o mesmo caminho que as mais consensuais.

Por isso quando se fala com alguém que tem uma explicação extraordinária para algo, há que pedir provas e que estas não sejam apenas exemplos e testemunhos, cujo rigor não se pode atestar. Testes controlados, confirmação por pares perante circunstâncias idênticas são critérios absolutamente fundamentais para que um carro ser vendido, ou a farinha do pão possa ser usada. Só se pede um critério semelhante naquilo que a RTP trata como conhecimento nos seus programas e pede-se também que, na sua missão de serviço público desmascare os aldrabões, os pseudo-médicos, os curandeiros, os místicos e outros que tais. Ou que pelo menos não lhes dê relevo.

Para quando reportagens como esta da BBC em que aborda precisamente o tema dos milhares de curandeiros que pululam por aí?

quarta-feira, 8 de junho de 2011

O telemóvel e o cancro

Na semana passada correu a notícia de que, segundo a OMS, a utilização dos telemóveis poderia causar o cancro. O assunto das radiações é recorrente na opinião pública. Faz parte dos “demónios” que agitam temores na sociedade de tempos a tempos, para o qual há sempre uma grande propensão para se distorcer ou ampliar as conclusões dos estudos.
 
A verdade é que a utilização intensa de telemóveis tem mais de 20 anos e não se assistiu a nenhuma pandemia. Pelo contrário, segundo o New York Times, os níveis de cancro do cérebro têm vindo a descer nas últimas duas décadas. Há muito que se fazem estudos sobre campos electromagnéticos e nunca foram encontradas evidências de que radiação não ionizante de baixa potência, como a dos telemóveis, quebrasse ligações químicas ou alterasse o DNA.

De qualquer modo a OMS é uma entidade credível e aliás, ainda no ano passado, publicou um amplo estudo de 14 milhões de dólares, realizado em 13 países que mostrava não existirem evidências de que os telemóveis tivessem efeitos carcinogénicos. O que mudou desde então? Um painel de cientistas da Agência Internacional para a Investigação do Cancro (IARC), órgão consultivo da OMS, analisou alguns dados novos e encontraram uma associação (não uma relação causal) com um tipo específico de cancro, o Glioma. O que significa esta associação? Há uma classificação utilizada que graduar os efeitos:

Grupo 1 – Cancerígeno para humanos

Grupo 2A – Provavelmente Cancerígeno para humanos

Grupo 2B – Possivelmente Cancerígeno para humanos

Grupo 3 – Não classificável quanto à carcinogenicidade para humanos

Grupo 4 – Provavelmente não Cancerígeno para humanos

As radiações foram classificadas no nível 2B, onde constam por exemplo coisas como o café ou os pickles. Foi uma aplicação do princípio da prudência, porque este tipo de cancro é bastante agressivo, mas parecem no entanto existir alguns problemas metodológicos no estudo, pois no geral a conclusão aponta para que as radiações dos telemóveis diminuem a incidência global de cancro no cérebro, o que obviamente não parece ser uma conclusão credível.
Diria portanto que há aqui alguma precipitação e uma distorção na mensagem, por parte de alguns Media. Falar-se com certeza de coisas de que não se têm certezas, sem que haja um potencial negativo iminente, é perigoso. Por exemplo em 1998 um Gastroenterologista Britânico afirmou haver uma relação entre a vacina Tríplice (Sarampo, Rubéola e Papeira, que é administrada aos bebes até aos 12 meses) e o autismo. Nos meses seguintes, tal foi amplamente divulgado na imprensa e o médico elevado a herói por ter encontrado uma relação desconhecida numa doença assustadora. Os níveis de adesão à vacina caíram para 70%. Em 2006 morreu a primeira criança em décadas de Sarampo, no Reino Unido. Em 2011, 334 casos aconteceram e em França 7000. O médico foi desacreditado e punido. O autismo ficou igual, mas o efeito do passa palavra ainda se manifestará por muito tempo.

Diria em conclusão, que o histórico de utilização do telemóvel nos pode tranquilizar e certamente não há razões para pensar em nada de grave, pois em 5000 milhões de telemóveis a nível mundial, os efeitos seriam claramente visíveis. Se se vierem a provar definitivamente relações causais serão raras e de pequeno impacto. Certamente que o telemóvel salva, muito mais do que mata, se é que mata alguma coisa. Ainda assim é naturalmente um assunto a continuar a estudar. Da da minha parte não estou nada intranquilo… e não é por trabalhar num operador de telecomunicações! Não conheço nenhuma prova física de que este tipo de radiação destrua moléculas e os estudos estatísticos parecem ainda ter muito ruído nos dados. Estou certo que numa análise de metadados, no agregado dos vários estudos se tirarão em breve conclusões sólidas e que certamente corroborarão a falta de evidência física de que fotões deste tipo destroem ligações na química das células cerebrais.

É sempre bom procuramos conhecer melhor a realidade. O conhecimento só ajuda a afastar os anátemas gerados pela ignorância.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

A política e a realidade...

A nossa preferência ou rejeição por um dado partido é influenciada por muitos factores. Desde aspectos ideológicos, alinhados ou em oposição com o modelo que nos parece melhor para a sociedade, até à identificação com um líder ou líderes, passando por aspectos culturais e educacionais que nos moldaram a preferência ou focando as nossas razões em análises mais pragmáticas e circunstanciais relacionadas com o desempenho real das propostas de um dado partido. Tudo isso nos leva a uma escolha, que às vezes é apenas uma aproximação ao que gostaríamos.



A política é uma disciplina de extrema importância, por muito que a prática dos políticos nos afaste da mesma. Mas o homem político é um conceito associado ao funcionamento da polis (cidade-estado), generalizado depois para qualquer forma administrativa existente na sociedade. Portanto, todos somos Homens políticos sempre que damos o nosso contributo funcional para a sociedade onde nos inserimos.
Dito isto, na forma como os órgãos de soberania exercem os seus poderes, há demasiada política. Por exemplo escolher onde fazer um investimento tem uma forte componente política, mas esta não deve confundir-se com a análise técnica que analisa o custo benefício do mesmo. Esta confusão acontece muitas vezes! Há muitas situações que são de natureza técnica e que são analisadas logo de raiz, numa lógica política e isso é um erro. A política não deve estar onde os problemas são técnicos e estes são-no quase sempre e só depois (e nem sempre) se tornam políticos.

Escolher quantos anos deve ter o ensino obrigatório é uma opção política, definir o conteúdo do programa de matemática é um problema de natureza técnica. Escolher se as linhas do TGV devem ser A ou B é uma opção política, saber as opções que oferecem mais dificuldade de construção ou quais as mais rentáveis são questões técnicas. Determinar a sustentabilidade da segurança social é um problema técnico, optar por uma dada solução é exercer política. Esta distinção é importante, porque se as análises técnicas forem idóneas e se a decisão política for essencialmente marcada pelo racionalidade e fundamentada nas melhores evidências, então não devem existir tantos graus de liberdade na escolha política. Não é isto que vemos no dia-a-dia em que o mesmo problema se defende com um argumento e o seu contrário, conforme a conveniência.

Não estou com isto a defender uma lógica tecnocrática da governação. Ou melhor, estou, mas apenas nas áreas em que há saber robusto e indicadores claros e sempre com o sentido do bem comum em mente, o que não é normalmente a perspectiva do tecnocrata.

A administração central de um país deveria assim centrar os seus recursos na análises dos pareceres técnicos, dos indicadores internacionais e em como nos comparamos com eles e, com base nos desvios fazer as suas opções e apostas, em conformidade com as prioridades e metas definidas no programa do partido que foi apresentado às eleições. Na verdade, o que temos são ministérios a interferirem em exames escolares, em sustentações terapêuticas para financiar ou não um dado medicamento, etc. Isto reflecte misturas indesejáveis e torna qualquer acção muito difusa e pouco compreensível, excepto para especialistas que consigam avaliar a sustentação ou não das opções.

Esta dificuldade, em se compreenderem as opções de execução, por não se vislumbrar a fundamentação técnica, afasta-nos como cidadãos dos decisores políticos e dos níveis de intervenção que seriam desejáveis. A retórica política faz parte do jogo e é inevitável, mas num contexto nubloso deste tipo, assume proporções graves e geradoras de uma ainda maior desmobilização.

Se olhar para os vários planos estratégicos  das empresas onde trabalhei verifico uma clareza nos princípios estratégicos que se perseguiam, uma alinhamento dos objectivos com os mesmos e, acima de tudo, um plano e metas perfeitamente mensuráveis, que permitem não só criar alinhamento de toda a organização, como avaliar a progressão e adoptar correcções rápidas no caso de desvios. Um país não é uma empresa, mas não há razão nenhuma para, nesta dimensão, não se aproximar deste tipo de práticas, o que deveria começar com os programas com que os partidos se apresentam às eleições. Estes deviam ter bem claras as opções estratégicas, e ao detalhe técnico deviam juntar-se versões resumidas com metas claras e bem definidas no tempo. A execução do programa seria assim fácil de acompanhar, por simples confrontação da evolução dessas métricas com o que estava definido nas metas programáticas.
Não existir esta clareza nos programas e não se clarificarem as fundamentações das decisões em pareceres técnicos validados pelas instituições mais idóneas, só nos faz ignorar a realidade dos factos. Um sintoma muito evidente disso, ou não estivéssemos a 2 dias das eleições legislativas, é o que se passou ao longo desta campanha, em que não se discutiu quase nada de forma fundamentada e compreensível.

A verdade porém existe, independentemente das nossas opiniões e preferências pelo partido A ou B, e basta lermos o memorandum assinado com a Troika para, não só encontrarmos as metas que faltam nos programas dos partidos como aí constatarmos que há um conjunto dessas metas, com grande impacto nas nossas vidas que irão já começar a acontecer a partir de Julho independentemente se ser o PS ou o PSD a ganhar as eleições. E mal de nós se começarmos logo a não honrar o que assinámos há pouco. O tempo da negociação acabou! Concordemos ou não com o que foi acordado, independentemente do que achamos sobre os culpados e sobre o que teria acontecido se… agora é tempo apenas para executar. E seria bom que todos estivéssemos conscientes disso para votarmos em plena consciência sobre o que nos espera e sobre o quadro político que queremos ter na execução dos compromissos assumidos.
Seria também bom percebermos que não votar ou votar em branco são apenas formas de alheamento de uma escolha, que vai ser feita de qualquer maneira. Mesmo que tal, possa aliviar a nossa revolta com “estes políticos que não nos merecem”, com o sistema, com a injustiça, no dia 5 de Junho vai ser eleito um novo parlamento.



O governo, o parlamento, as administrações locais são instituições, mas o que é isso senão dizer que são feitas por pessoas como nós e é em nós que temos que encontrar soluções para os problemas que nos afectam, o que começa obviamente pelo voto. Esta é a crueza da realidade quer gostemos ou não e, ou nos assumimos como protagonistas, com capacidade de fazer a diferença ou seremos a vida inteira meros espectadores de uma vida governada por um destino que alguém define por nós…

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Uma teoria científica não é opinião

Irei abordar por aqui o conceito de teoria científica, tantas vezes apontado como uma fragilidade da ciência, uma vez que as teorias mudam e se são teorias, não são leis. Esta é uma perspectiva profundamente deturpada, pois essa capacidade de mudança é uma das principais virtudes da ciência, mas isso fica para outra altura.

Por agora fica uma visão artistica desta ideia, através dos They Might Be Giants, um grupo Americano da década de 80 ainda no activo hoje, que tem diversas canções, 3 numa escala de 5 a nível artístico, cuja particularidade é focarem-se muitas vezes numa mensagem científica.

Irei colocar várias das suas canções aqui. Esta é a primeira e escolhi-a não por ser a melhor, mas porque fala do que é a ciência e nas suas bases.