quarta-feira, 20 de maio de 2020

Conhece o mundo onde vive ou é pior que o Chimpanzé?

Hans Rosling, médico, demógrafo e conferencista extraordinário falecido há dois anos, esteve em Portugal em 2015 assinalando os 5 anos da Pordata numa conferência.

 Aí, começou a sua apresentação fazendo de forma interativa 12 ou 13 perguntas gerais sobre o mundo, que o público respondia através de uns dispositivos eletrónicos. Eis algumas:

 - Nos últimos 20 anos, a nível mundial, a proporção de pessoas a viver em pobreza extrema…

Quase duplicou

Manteve-se mais ou menos igual

Diminuiu para quase metade

 - A nível mundial, quantas crianças, com até 1 ano de idade foram vacinadas contra alguma doença?

80%

50%

20%

 - De que modo variou, ao longo dos últimos 100 anos, o número de mortes anuais devidas a desastres naturais?

Mais do que duplicou

Manteve-se mais ou menos o mesmo

Diminuiu para mais de metade

 - A nível mundial, os homens com 30 anos de idade passaram, em média, 10 anos na escola. Quantos anos passaram na escola, em média, as mulheres com a mesma idade?

9 anos

6 anos

3 anos

 - Atualmente, qual é a esperança média de vida da população mundial?

50 anos

60 anos

70 anos

 Se respondeu a todas as perguntas com a opção mais positiva então acertou. Mas, nessa conferência muito pouca gente acertava em todas as perguntas. Aliás Hans Rosling concluía com piada que a sabedoria da plateia era pior que a de Chimpanzés já que estes, respondendo aleatoriamente acertavam em 33% das perguntas, enquanto a plateia tinha percentagens na ordem dos 20%, o que só se explica pelo facto de mesmo pessoas com elevado nível de formação, como as que estavam na conferência, estarem muito mal informadas sobre o progresso.

 A verdade é que formulamos frequentemente ideias e conceitos sobre os problemas que existem no mundo, com base em perceções erradas. Isso é um enorme problema, porque se não acertamos no diagnóstico dificilmente acertaremos nas soluções. E aplica-se a qualquer coisa das nossas vidas. Se achar que consigo correr 5 km em 10 minutos mesmo nunca tendo feito uma boa preparação física, quando tentar fazê-lo vou perceber que provavelmente nem em 20 minutos (o record do mundo em homens são 12m37s e em mulheres 14m11s. Ou seja, a realidade vai tratar de destruir completamente a minha perceção. Mas, se por acaso não o fizer e nunca ligar muito aos records de atletismo, posso ficar a vida toda iludido em que seria possível correr 5km em 10 minutos.

As nossas ações são baseadas não na realidade, mas sim na perceção que temos desta e portanto se estivermos errados corremos o risco de ter ações erradas, formular opiniões pouco fundamentadas, defender pontos de vista inconsistentes. E pior, muitas vezes defendê-las de forma intensa. Afinal de conta há que defender as nossas ideias...

 Um famoso filantropista do início do séc. XX, Bernard Baruch, dizia com grande propriedade, “Temos direito à nossa opinião, mas não aos nossos factos”. Mas quantas são as vezes em que vemos tomadas de posição baseadas em informação profundamente errada? Podemos dizer que sempre foi assim, mas hoje há dimensões novas neste problema. Durante a maior parte do tempo da humanidade, a informação disponível era limitada, pouco acessível e o conhecimento baixo. Por isso tomar decisões erradas por causa da má informação disponível (ou indisponível) era mais ou menos normal. Pelo contrário, hoje, não há falta de informação e o conhecimento sobre a generalidade dos temas é elevado e acessível. Assim, temos a obrigação de nos informarmos bem e procurarmos emitir opiniões fundamentadas. Mas estranhamente isto é mais difícil do que parece. Todos sabemos do fenómeno das fake news. A verdade é que estas estão bem disfarçadas, de forma a parecerem ser credíveis e com origens fidedignas. Ou seja, passamos de um paradigma de ausência e má qualidade, para uma situação de abundância, quiçá até de excesso, mas também com bastante ruído, que torna difícil por vezes distinguir o bom do mau. 

A solução passa essencialmente pela dúvida sistemática, pela verificação múltipla e pela procura de boas fontes de informação. Mas hoje o tema não é esse. O objetivo é sabermos como melhorar o que sabemos do mundo? Precisamos de referências de boa informação factual, com profundidade, para podermos avaliar corretamente as situações e agir na resolução dos problemas?  

E atenção que não é fácil ganharmos alguma solidez nos conhecimentos. O ser humano tem alguns viés cognitivos que dificultam certos processos. Na era do Facebook e do Youtube, muitos acham que por terem visto uns vídeos ou uns posts já sabem mais que os médicos, os engenheiros e outros verdadeiros especialistas que às vezes dedicaram uma vida a determinados temas. Um conjuntos de estudos muito interessante de dois psicólogos sociais, Dunning e Kruger, evidenciam a nossa dificuldade de avaliar o que sabemos sobre um determinado assunto.

O ciclo é interessante. Há uma fase em que não sabemos nada e obviamente temos consicência disso. Depois, quando aprendemos um pouco caímos é fácil ganharmos a perceção que já sabemos alguma coisa de relevante e tendemos a sobreavaliar o nosso conhecimento. À medida que vamos estudando mais sobre o assunto percebemos afinal que nos faltava saber muito. Continuamos a aprofundar e então sim, ao fim de esforço e tempo, podemos dizer que sabemos sobre o assunto.

O problema está em que durante este percurso temos muitas vezes a noção errada do que sabemos. Normalmente a confiança é inversamente proporcional ao conhecimento e a verdade é muitas pessoas, quiçá a maioria, não produzem o esforço necessário para sair da fase em que sabem pouco, mas julgam saber muito. Isso leva a imensos juízos convencidos de serem plenos de sapiência, quando pouco mais arranham do que o básico de alguns temas. E leva a situações caricatas, em que os media são férteis a pretexto da igualdade de pontos de vista, em que se assiste à discussão em quase pé de igualdade de especialistas e pseudo conhecedores de qualquer que se disfarça de conhecimento.


Convém por isso estarmos bem informados sobre o mundo e fazermos o percurso da curva de Dunning Kruger ou pelo menos evitarmos considerarmo-nos especialistas, quando não passamos de iniciados.

 Um segundo viés cognitivo que afeta o ser humano e  que é importante superar é a nossa tendência para darmos mais importância aos eventos negativos, do que às coisas boas. É normal. A evolução talhou-nos dessa forma porque a sobrevivência conquista-se com a resolução de problemas e não com glória das dificuldades que fomos capazes de superar. Mas isso leva a que vivamos inundados de notícias que são quase sempre, apenas sobre os problemas do mundo. Não é notícia a ausência de problemas e explora-se até à exaustão qualquer pequeno incidente.

 Com isto construímos uma perceção das coisas, pior do que a realidade. Achamos que vivemos num mundo pior do que no passado, mais inseguro, mais violento, com mais conflitos e guerras, mais poluído, mais desigual, menos democrático, com mais pobreza. A verdade é que se compararmos o mundo de hoje com o mundo de há 50, 30, 20, 10 anos há muito menos pobreza, menos guerras, mais esperança de vida, menos armas nucleares, mais países democráticos. 

É por isso importante construirmos uma nova perceção. O mundo está melhor do que alguma vez foi, mas pode ser muito melhor e há problemas enormes que temos que resolver. Alguns resultam de sucessos enormes que tivemos, como o desenvolvimento económico que gerou um consumo excessivo de recursos e emissões enormes de gases levando aos problemas da sustentabilidade e das alterações climáticas, que são sem dúvida os maiores problemas de sempre da Humanidade. Outros problemas que resultam de situações de sucesso são a ameaça do desemprego de longo prazo devido à disrupção tecnológica e até a desigualdade extrema, que está a diminuir globalmente mas aumenta dentro dos países, sendo o resultado da distorção do mundo financeiros. 

Estes são exemplos reais de problemas que carecem de ação profunda e coordenada. E são difíceis porque exigem níveis de cooperação global sem precedentes na história da humanidade. Mas a estes problemas juntam-se outros, que só são reais porque falhamos a tal compreensão do mundo em que vivemos. Muito do populismo que vemos crescer em alguns países com democracias desenvolvidas resulta precisamente do desconhecimento dos benefícios da globalização, da migração, da evolução tecnológica em áreas como a agricultura, o saneamento, a educação, a saúde. 

Esta falta de conhecimento de base é terreno fértil para os populistas que, com as suas mensagens fáceis para problemas complexos transmitem uma ideia de terem boas soluções, às vezes até para problemas que não existem, iludindo muita gente e acima de tudo afastando-nos da tal cooperação global que é necessária para atacar estes problemas globais sérios e complexos e que, se não forem endereçados, podem provocar recuos significativos ao progresso das últimas décadas.

É por isso uma responsabilidade de cada um de nós, informarmo-nos e termos também a honestidade intelectual de mudarmos de ideia, caso os factos apontem para um caminho diferente daquele que as nossas convicções iniciais apontavam.

Se não o fizermos, neste mundo das redes sociais e dos algoritmos, vamos sempre encontrar um grupo qualquer, que alinhe pelo diapasão do que já achamos saber mesmo que com base em informação pobre ou errada. Seremos apenas doentes de Dunning-Krugerismo, incapazes de aprender a sério. É por isso que há terraplanistas ou anti-vacinas. São absurdos num mundo do conhecimento, mas são reais e em crescimento porque o pouco que sabem é depois sucessivamente alimentado por pontos de vista fechados, que apenas reforçam as convicções anteriores dando-lhes a ilusão de que estão a aprender.

 Hans Rosling, Steven Pinker, Max Roser e em Portugal a Fundação Francisco Manuel dos Santos através do Pordata têm projetos e livros de enormes méritos, no combate à iliteracia sobre o mundo.

 Deixo em baixo alguns links importantes que convém explorar e informação de livros muito estruturantes do pensamento sobre a realidade nestas dimensões básicas do desenvolvimento humano e civilizacional. Se tiver que escolher só um link e um só livro, sugiro  o gapminder da Fundação Rosling e o Iluminismo Agora, de Steven Pinker. 

Fica também uma frase importante de Max Roser, "o Mundo está muito melhor; o mundo é horrível; o mundo pode ser muito melhor".


  Sites

www.pordata.pt

www.gapminder.org

https://ourworldindata.org/

https://www.worldometers.info/

https://www.theworldcounts.com/

https://databank.worldbank.org/home.aspx

https://ec.europa.eu/eurostat/data/database

 Livros

Iluminismo Agora – Steven Pinker

Factfulness – Hans Rosling


Covid 19 - A estratégia Sueca de evitar o Lockdown funciona?

Problema:

Qual a melhor maneira de minimizar o impacto do Covid 19 em termos de Saúde Pública e da economia?

 (Covid 19; #CovidSweden; #Covid; #hurdimmunity; #economy; #recession)



 Contexto: 

Há essencialmente duas estratégias de ação de combate ao Covid 19:

·          Uma, tentada pelo Reino Unido (e rapidamente abandonada) e pela Suécia (que persiste), que estabelece algumas medidas de afastamento social e fecho de algumas estruturas, mas evita medidas mais fortes de confinamento, como o Lockdown, mantendo grande parte das escolas e comércio, como restaurantes e cafés, abertos, impedindo apenas concentrações acima das 50 pessoas;

·          Uma segunda, que é a da grande maioria dos países e que procura criar o máximo isolamento social procurando evitar grandes focos de transmissão que podem comprometer a capacidade do Sistema de Saúde e com isso incrementar a mortalidade, tal como verificado em Itália, em Espanha e em Nova Iorque, entre outros. 

Ideias: 

A primeira estratégia visa naturalmente evitar uma recessão económica. O lockdown quebra grande parte da atividade económica já que se bloqueiam a maioria dos negócios de comércio e de serviços de proximidade, com exceção dos bens de primeira necessidade.

Os defensores desta abordagem promovem a ideia de proteger apenas a população idosa e quem tenha morbilidades específicas, já que são quem tem maior vulnerabilidade a este vírus, com taxas de letalidade muito elevadas, evitando proteger as pessoas mais novas, em que a taxa de letalidade é baixa. Com isto esperam minimizar o impacto económico e o desemprego, ao mesmo tempo que aceleram a chamada imunidade de grupo, já que mais pessoas se infetariam ficando assim com anticorpos. 

Os virologistas calculam para este vírus uma taxa de 60%, como a que garante imunidade, embora existam também teses que apontam para valores significativamente mais baixos.

Solução/Propostas:
A realidade dos factos mostra que a abordagem da Suécia leva a taxas de mortalidade mais elevadas. Neste momento tem um número de mortos por milhão de habitantes mais de 3 vezes superior a países homólogos, como os seus vizinhos Nórdicos. As autoridades continuam a insistir que a estratégia é a correta já que considerar que se irão suceder novas vagas de Covid 19 e aí terão maior imunidade que os restantes países. Ou seja só no final deste processo, eventualmente quando surgir uma vacina que será ainda demorada (as perspetivas mais otimistas apontam 18 meses), se poderão comparar as taxas de mortalidade. 

Por outro lado, as projeções de várias entidades e analistas económicos projetam uma recessão da Suécia semelhante à outros países que tiveram custos humanos muito inferiores.

A Suécia ignora no entanto que o conhecimento deste vírus, que é novo, está em constante evolução e portanto existem novas abordagens terapêuticas que com o passar do tempo poderão minimizar o impacto em vidas humanas. 

Do mesmo modo, as economias estando muito ligadas globalmente, não permitem grandes vantagens à Suécia nessa dimensão.

Assim sendo tudo aponta para que o Lockdown seja a melhor abordagem, porque minimiza as mortes da primeira vaga, dando tempo para que o conhecimento se adquira e como isso potencialmente se evitem tantas mortes no futuro.

O esforço de recuperação da economia terá que acontecer e é semelhante, tanto na estratégia da Suécia, como no Lockdown e passa na fase atual por ir abrindo a economia, desconfinando com prudência, mas mantendo regras de distanciamento social e prudência por forma a evitar novos focos de grande impacto.


Referências: