quarta-feira, 4 de maio de 2011

Bin Laden e a amoralidade do Obama

Há muito, quem defenda que a Moral tem que ter um fundo supra-humano, no sentido em que defini-la em causa própria seria uma perversão da própria Moral e só algo superior ao Homem pode ditar um conjunto de regras de conduta objectivas e absolutas, que não fiquem ao abrigo do voluntarismo e relativismo de cada indivíduo ou sociedade.


É um tema amplo que carece de vários posts para abordar convenientemente, coisa que irei fazendo ao longo do tempo. Parece-me no entanto evidente que o argumento de uma origem divina da moral, funciona mais como uma fragilidade para o ser humano do que uma força. É no ser humano que temos que encontrar soluções para resolver os problemas que nos afectam e para a definição das melhores regras de convivência entre diferentes credos, religiões, etnias, territórios, etc. E, apesar de tanta violência e intolerância que se vê pelo mundo, nunca fomos mais tolerantes do que agora e nunca se deu tanta importância à aceitação das diferenças como agora. Isso é precisamente o resultado deste processo de ajustamento iterativo, em que se compreende que o respeito pelo outro é a uma forma mais eficiente de desenvolvimento, o que significa que a moral tem que evoluir como tudo o resto, coisa que uma origem divina e dogmática não garantiria, pelo contrário, ao ser absoluta seria imutável. Como disse desenvolverei este tema mais tarde. Para já queria destacar um episódio que se passou anteontem e que, sob o ponto de vista moral, deixou muito a desejar. Falo da morte do Bin Laden e da forma como foi comunicada:

  1. Ao contrário do que estamos habituados, o Obama faz um discurso algo desastrado, em que evoca deus várias vezes, num assunto a que não deveria ser dada qualquer conotação religiosa.
Já estamos habituados a que os discursos nos EUA tenham frequentes evocações de deus e que terminem em “God Bless América”, mas num tema destes, não só se esperaria que o bom senso e tacto habituais do Obama (tão claros, por exemplo, no discurso que fez no Egipto há dois anos, que também envolvia situações delicadas) o evitassem, como deus foi evocado várias vezes completamente sem necessidade. Julgo que isto dará inevitavelmente azo a ódios acrescidos e pretextos aos que querem ver nisto um símbolo de guerra contra o Islão que naturalmente não é, ou um símbolo de arrogância e superioridade de uma religião em detrimento de outra religião que abençoa a Nação Americana, que obviamente também não é; 
  1. Segunda coisa chocante é o regozijo com que se falou da morte do dito terrorista. Claro que o Osama Bin Laden, não faz falta nenhuma à Humanidade, mas falar-se com uma naturalidade tão grande duma morte sem se explicar livre de quaisquer ambiguidades e desde o primeiro momento, que a tentativa era capturá-lo e que acidental e com o intuito de defesa que a morte aconteceu, é algo que só pode contribuir para um agudizar dos sentimentos anti-ocidentais.
É verdade que os Americanos ainda estão traumatizados com o ataque que sofreram há 10 anos e a morte do perpetrador funciona com uma saída do luto. É também verdade que a pena de morte ainda existe em diversos Estados dos EUA e portanto não há uma noção de justiça, do mesmo tipo que para os Europeus, mas mais uma vez é uma grande falta de tacto a secura com que Obama fez este anúncio. Admito que ao revelar esta dureza, possa ter tocado nas comunidades mais conservadoras e eventualmente ter melhorado bastante ao nível do seu posicionamento interno em relação às eleições do próximo ano, mas uma comunicação deste teor, iminentemente ligada às relações externas teria que ser tratada com mais cuidado e obedecer a outros valores; 
  1. Ainda mais surpreendente, ou talvez não, é que por estas bandas, o tom insensível foi replicado e os telejornais que vi abriram todos as notícias, em tom de aclamação com a morte do dito inimigo número um. Como disse o cardeal patriarca de Lisboa, D. Policarpo a este pretexto, a violência nunca é solução e relevar uma tamanha insensibilidade não vai contribuir para nada de bom nesta situação melindrosa; 
  1. Finalmente, o que dizer do que fizeram ao corpo?! Deitaram-no ao mar e não se coibiram de o dizer abertamente. Será que sou só eu a achar isto anormalíssimo. Deitar corpos à água é coisa de filme, mas mesmo tentando pensar à Americana, o que é difícil confesso, até no velho Oeste os cowboys menos abrutalhados não deixavam os corpos dos vilões abandonados no meio do deserto. Neste caso comunica-se que já não há corpo, porque foi deitado ao mar e pronto, os peixinhos e as 72 virgens que se entretenham com ele.
Será sempre inevitável que a morte do Bin Laden venha a fazer recrudescer os sentimentos anti-americanos (aliados incluídos) e a propensão para o terrorismo, mas convenhamos que esta crueza amoral só pode ter piorado as coisas. E era completamente desnecessário. Era só terem-se alterado umas palavritas…

2 comentários:

  1. Há muitas coisas erradas nesta morte. foi a sangue frio. Foi uma execução. E deitarem o corpo ao mar não faz sentido nenhum. A alegria dos americanos que festejaram na rua é tão primária como os que, em muitos países árabes, depois do 11 de Setembro, festejaram a morte de mais de 3 mil pessoas.
    Mas compreendo o alívio das famílias das vitimas. Para eles, certo ou errado, a morte de Bin laden foi a justiça possível pelo que perderam. Quanto ao Obama e ao discurso, cada vez mais acho que um presidente dos Estados Unidos tem muito poder mas pode muito pouco naquele ambiente político. Mas fez o discurso convicto que tinha de fazer dentro daquela cultura. Acho errado as palavras e o acot da forma como foi... e o facto de ser um prémio nobel da paz. Não devia ter recebido o prémio mas o facto de mandar matar... houve outros prémios nobel que fizeram bem pior.. é tudo tão estranho e tão desconcertante... para nós é errado mas se fossemos americanos talvez fosse certo...

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  2. É verdade e a bem da credibilidade do prémio Nobel da Paz seria bom que o atribuíssem quando a obra é sólida e o impacto inquestionável. O Nobel do Obama foi algo para estimular um potencial, o que é no mínimo uma distorção da essência de um prémio deste tipo e enferma um risco inerente de redundar em trabalho não concretizado ou até contrário. Espero que não venha a ser grave, como foi noutros nobelizados.

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